12/10/2024 - 17h
Na última quinta-feira, cheguei em casa após o jantar em comemoração ao Dia dos Professores da escola que trabalho com uma caixinha preciosa contendo quatro doces: dois brigadeiros e duas josefinas. Um tesouro que eu sabia que seria disputado, afinal, os doces nunca duram muito por aqui.Minha mãe, Sônia, estava lá, como sempre, firme no comando enquanto eu estive fora, acompanhada das minhas filhas, Paola e Nyara. Era hora da famosa "divisão democrática" dos doces. Primeiramente, respeitando a ancestralidade, perguntei para minha mãe qual doce ela escolheria, e ela soltou um casual: "Ah, qualquer um..." Eu, cheia de confiança e deboche herdado do meu pai, retruquei: "Mãe, esse sabor 'qualquer um' não veio nessa caixinha." Ela deu uma risada e escolheu a Josefina.
Logo em seguida, fui até Paola. Perguntei qual doce ela queria e, como boa apreciadora de chocolate, ela escolheu um brigadeiro. Agora, sobrou o brigadeiro e a outra Josefina... Dois doces, duas pessoas, simples, certo? Eu e Nyara, no campo de batalha do açúcar.
Aqui vale uma observação: Nyara sempre foi muito decidida em suas escolhas . E quando eu digo decidida, é decidida de verdade . Para ela, a vida é simples: se existe a opção de ter tudo, por que se contentar com menos?
Seguro os doces, um em cada mão, e, cheio de confiança, abri os braços: "Nyara, qual você quer?" Eu mal esperava o que vinha a seguir. Nyara, com a sua seriedade encantadora, abriu os próprios bracinhos e e ficou com as duas mãos bem esticadas cada uma em direção a um dos doces, com uma segurança invejável, me mostrou que a resposta era óbvia: ela queria os dois. Nyara ainda não aponto o dedo, ela aponta a mão esticadinha.
E foi aí que começou uma verdadeira dança de valsa na sala. Eu, achando que poderia convencê-la a escolher um, movendo o corpo de um lado para o outro, os braços afastados, fazendo uma coreografia digna de um mestre-sala cortando a porta-bandeira. Cada hora eu aproximava um doce para perto dela, tentando ver se ela cedia e escolhia apenas um. Acho que, se eu tivesse filmado, vocês teriam rido muito da cena! Depois de muita luta — ou seria dança? —, Nyara finalmente decidiu e pegou a mão do brigadeiro, permitindo que eu saboreasse minha Josefina.
A habilidade de fazer escolhas é muito importante para todas as pessoas, mas aqui em casa, tem sido um grande desafio, principalmente com Nyara, que é uma pessoa no espectro autista. Aprender a fazer escolhas é algo essencial para desenvolver autonomia, evitar crises por frustração e impedir disputas de poder. E, evidentemente, há momentos em que não há escolha — mas podemos transformar esses momentos em oportunidades de escolha. Por exemplo, na hora do almoço: "Você prefere o legume picado em rodelas ou em quadradinhos?" Ou na hora de tomar o remédio: "Prefere na colher ou no seu copinho?" Até em situações mais delicadas, como aquela tarefa que eles não gostam, é possível orientar que faça primeiro o que menos agrada, para depois fazer algo prazeroso. Isso ensina que, embora nem sempre possamos escolher o que fazer, podemos decidir a ordem das coisas — como, por exemplo, fazer a tarefa de educação física antes da divertida tarefa de recorte e cole. Quando o 'o quê' não é negociável, o 'quando' ou 'como' pode ser uma escolha.
Além disso, é fundamental usar perguntas curtas e diretas para comunicar como se dará a escolha: "Qual?" "Quantos?" "Como você quer?" "Qual cor?" São questões que facilitam o processo de escolha e ajudam Nyara a se tornar cada vez mais independente. Acho que é importante refletirmos se estamos fazendo todas as escolhas por nossas crianças. Sempre que possível, devemos incentivá-las a decidir, para que se tornem cada vez mais independentes.
Ah, a vida… cheia de doces e josefinas, brigadeiros e dilemas. No fim das contas, tudo se resume às escolhas. Aquelas que, como adultos, aprendemos a fazer — ou não. Será que convivemos bem com nossas próprias escolhas? Será que, na correria do dia a dia, estamos permitindo que nossas crianças aprendam o sabor de escolher por si mesmas? Ou estamos tão habituados a escolher por elas, que não percebemos o quanto isso priva de crescer com mais independência? E, cá entre nós, será que estamos prontos para ceder esse poder? Talvez o verdadeiro desafio não seja em qual doce escolher, mas em deixar que o outro descubra, aos poucos, qual é o gosto da sua própria escolha. Porque, no fim, permitir que nossas crianças façam suas escolhas é um ato de amor, respeito e de pura coragem.
Se você leu até aqui, deixa um coraçãozinho para mim na mensagem. Assim, saberei que esse tipo de conteúdo interessa e continuarei compartilhando nossos momentos. Muita luz para todas as pessoas que acompanham nossa jornada! Ubuntu!
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