terça-feira, 22 de outubro de 2024

Recesso escolar: um sonho... ou será um pesadelo?

 14/10/2024 23h



Recesso escolar: um sonho... ou será um pesadelo?

Semana de recesso escolar. Alegria para todos, certo? Errado! Aqui em casa, recessos, feriados e finais de semana são apenas oportunidades para sermos ainda mais criativas na gestão do caos. Qualquer mudança de rotina é um desafio de nível hard para a Nyara e para muitas outras famílias onde a rotina seja a forma de manter as pessoas reguladas. Os nossos finais de semana já estão devidamente ritualizados: sábado é dia de natação e domingo é dia de trançar o cabelo, mas, quando um feriado cai no sábado como aconteceu no último e não teve natação... o mundo desaba.

Hoje, mesmo avisando para ela que a escola estava fechada, quando bateu 12h (o relógio biológico dela é impecável), lá foi ela: escovou os dentes, pegou o uniforme no cabide e se preparou para o grande dia de aula... que não existia.

E eu, evidentemente , lá fui com a mesma ladainha: 'Filha, essa é uma semana de descanso e diversão, sem aulas!' Tento evitar a palavra 'não', porque uma linguagem afirmativa é mais eficaz para pessoas com rigidez cognitiva, tornando a comunicação mais direta e objetiva, além de reduzir a ambiguidade e facilitar a compreensão. Focar no que vai acontecer, em vez de negar algo, ajuda a compreender, minimizar a frustração e a ansiedade diante das mudanças na rotina. Mas confesso, nem sempre consigo.

Hoje, segunda-feira, depois de umas três tentativas frustradas de ritual escolar – leia-se: escovar os dentes, pegar o uniforme e ir para a escola, Nyara decidiu que o mundo estava contra ela. Então, ocorreu o colapso épico: muitas lágrimas, mesa virada, objetos voando como se estivéssemos em uma cena de filme de super-herói. E lá estava eu, fazendo movimentos de esquivas corporais tipo matrix para garantir que nada acertasse minha cabeça e também óbvio cuidando para que ela não se machucasse, enquanto a crise seguisse seu curso.

Depois que a tempestade passou, consegui convencê-la a brincar de boliche e jogar bolinhas dentro de uma caixa de papelão por uns gloriosos cinco minutos. Vitória! Mas, como mãe sagaz que sou, já tinha o plano B em ação: acendi o incenso de alecrim, afinal, traz tranquilidade mental e combate o estresse... Se não ajudasse a ela, pelo menos ajudaria a mim mesma. Também fiz todas as orações que conheço, porque, sinceramente, só queria que ela se acalmasse. E para completar, recorri ao nosso fiel aliado aqui de casa, o xarope de maracujá, aquele que acalma até o pensamento. Ela cochilou e acordou plena, como se nada tivesse acontecido, enquanto eu finalmente respirei... 

Amanhã, acendo o incenso logo cedo! 

Brincadeiras à parte, recessos, férias e finais de semana são muito bem-vindos... mas não para famílias com pessoas que tenham rigidez cognitiva. O mais engraçado é que, como sempre compartilho nosso cotidiano de forma leve, tem gente que acha que por aqui tudo são flores, sem gritos ou agressividade. Ah, quem me dera! E, sempre tem aquelas pessoas que soltam algumas pérolas (com certeza achando que estão me elogiando ou confortando) que me faz empurrar um choro garganta abaixo: “Sua filha nem parece autista, né? Ela deve ser nível 1 pela carinha dela...” ou “Ah, é só uma fase, quando ela crescer melhora”. Essas frases me fazem revisitar aquele velho luto, que eu tinha quase conseguido enterrar bem fundo no coração mas que de vez em quando brota novamente.

Mas, é isso aí, seguimos em frente com muito humor, incenso de alecrim e litros de maracujá! E que venha a terça-feira... 

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Muita luz para todas as pessoas que acompanham nossa jornada! Ubuntu!

sábado, 12 de outubro de 2024

Rede de proteção? Só se for para a mãe

12/10/2024 - 18:48


Paola, minha filha de 18 anos, sempre foi uma fonte de desafios emocionantes na arte de educar uma jovem de forma autônoma, livre e crítica. Mas o desafio mais antigo e persistente começou quando ela, aos 7 anos, resolveu que seu futuro estava nas alturas – literalmente. Foi nessa época que ela entrou para o projeto de artes circenses no colégio.

Eu, como mãe, claro, tinha minhas preocupações. Afinal, quem não teria medo ao ver sua filha se divertindo em tecidos coloridos, girando no ar como se a gravidade fosse uma mera sugestão? O que começou com apresentações no chão rapidamente evoluiu para alturas que fizeram meu coração dar piruetas junto com ela. E enquanto Paola se deliciava em suas acrobacias, eu me perguntava: “Meu Deus, e se um dia ela resolver ir embora com o circo?”

Acho que essa minha preocupação ficou mais evidente numa certa reunião da escola. A professora estava explicando o progresso das crianças no projeto, quando eu levantei a mão e perguntei: “Vai ter rede de proteção no palco, né?” . O que causou uma explosão de risadas. Todos acharam que eu estava brincando. Só que não. Meu medo era bem real!

O mais irônico é que, enquanto eu contava os segundos para ela descer do tecido, Paola estava lá, subindo cada vez mais – não só nas alturas, mas em talento também. Tão talentosa que, alguns anos mais tarde, mesmo sendo ainda dos anos finais do ensino fundamental, já estava treinando com o pessoal do ensino médio. E eu ali, com o coração na boca, tentando segurar os pés dela no chão, enquanto ela voava – literalmente.

Hoje, com 18 anos, Paola continua me desafiando, mas agora de outras formas. E apesar de todos os medos e preocupações, cada vez que a vejo se equilibrando nas cordas da vida, eu sei que, de alguma forma, ela sempre conseguiu encontrar o próprio equilíbrio. Talvez seja disso que se trata criar uma jovem autônoma, livre e crítica: deixa-la voar, mesmo que o circo não tenha rede de proteção ela sabe que estou aqui para ser esta rede sempre que ela precisar.

O tempo voou, e agora, além de ser minha artista preferida, Paola também se revelou uma escritora incrível! Tirou uma nota altíssima na redação do ENEM e foi aprovada tanto no vestibular do exame nacional do ensino médio quanto no PISM da UFJF. Agora, ela vai começar a faculdade de Jornalismo no próximo mês. Olha só, minha filha indo para a faculdade... e eu aqui, tentando agir naturalmente mas com o coração cheio de ansiedade.

Na semana passada, tivemos uma situação que mostra bem essa minha "ansiedade materna". Eu perguntei sobre o início das aulas e o quadro de disciplinas, e como surgiu uma dúvida, eu disse: "Paola, manda uma mensagem para a coordenação." Até aí, tudo certo, né? Só que... enquanto esperava ela mandar a mensagem, minha insegurança de mãe começou a crescer. Não aguentei. Antes mesmo que Paola tivesse tempo de resolver, eu mandei um e-mail para a coordenação.

Mas, calma, não para por aí. Minha ansiedade estava tão fora de controle que, além de não esperar a Paola me contar o retorno da mensagem que ela havia mandado, eu não consegui esperar o retorno do meu próprio e-mail, e o que eu fiz? Peguei o telefone e liguei diretamente para a central de atendimento. Fui super bem atendida, acho que estão treinados em atender mães.

Mais tarde, quando a Paola finalmente me contou que a coordenação tinha respondido a mensagem dela, eu, com aquele sorrisinho sem graça, disse: "Ah, eu também liguei... Não aguentei esperar." Ela riu. E mais tarde, o melhor de tudo: meu e-mail foi respondido assim: "Conforme conversamos com a senhora no telefone, a aula começa dia 04." Eu ri, mas lá no fundo percebi... minha filha cresceu, e eu, com todo o meu zelo, ainda estou me adaptando a essa nova realidade.

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Entre Brigadeiros e Josefinas: A Dança das Escolhas de Nyara

 12/10/2024 - 17h 

Na última quinta-feira, cheguei em casa após o jantar em comemoração ao Dia dos Professores da escola que trabalho com uma caixinha preciosa contendo quatro doces: dois brigadeiros e duas josefinas. Um tesouro que eu sabia que seria disputado, afinal, os doces nunca duram muito por aqui.

Minha mãe, Sônia, estava lá, como sempre, firme no comando enquanto eu estive fora, acompanhada das minhas filhas, Paola e Nyara. Era hora da famosa "divisão democrática" dos doces. Primeiramente, respeitando a ancestralidade, perguntei para minha mãe qual doce ela escolheria, e ela soltou um casual: "Ah, qualquer um..." Eu, cheia de confiança e deboche herdado do meu pai, retruquei: "Mãe, esse sabor 'qualquer um' não veio nessa caixinha." Ela deu uma risada e escolheu a Josefina.

Logo em seguida, fui até Paola. Perguntei qual doce ela queria e, como boa apreciadora de chocolate, ela escolheu um brigadeiro. Agora, sobrou o brigadeiro e a outra Josefina... Dois doces, duas pessoas, simples, certo? Eu e Nyara, no campo de batalha do açúcar.

Aqui vale uma observação: Nyara sempre foi muito decidida em suas escolhas . E quando eu digo decidida, é decidida de verdade . Para ela, a vida é simples: se existe a opção de ter tudo, por que se contentar com menos?

Seguro os doces, um em cada mão, e, cheio de confiança, abri os braços: "Nyara, qual você quer?" Eu mal esperava o que vinha a seguir. Nyara, com a sua seriedade encantadora, abriu os próprios bracinhos e e ficou com as duas mãos bem esticadas cada uma em direção a um dos doces, com uma segurança invejável, me mostrou que a resposta era óbvia: ela queria os dois. Nyara ainda não aponto o dedo, ela aponta a mão esticadinha.

E foi aí que começou uma verdadeira dança de valsa na sala. Eu, achando que poderia convencê-la a escolher um, movendo o corpo de um lado para o outro, os braços afastados, fazendo uma coreografia digna de um mestre-sala cortando a porta-bandeira. Cada hora eu aproximava um doce para perto dela, tentando ver se ela cedia e escolhia apenas um. Acho que, se eu tivesse filmado, vocês teriam rido muito da cena! Depois de muita luta — ou seria dança? —, Nyara finalmente decidiu e pegou a mão do brigadeiro, permitindo que eu saboreasse minha Josefina.

A habilidade de fazer escolhas é muito importante para todas as pessoas, mas aqui em casa, tem sido um grande desafio, principalmente com Nyara, que é uma pessoa no espectro autista. Aprender a fazer escolhas é algo essencial para desenvolver autonomia, evitar crises por frustração e impedir disputas de poder. E, evidentemente, há momentos em que não há escolha — mas podemos transformar esses momentos em oportunidades de escolha. Por exemplo, na hora do almoço: "Você prefere o legume picado em rodelas ou em quadradinhos?" Ou na hora de tomar o remédio: "Prefere na colher ou no seu copinho?" Até em situações mais delicadas, como aquela tarefa que eles não gostam, é possível orientar que faça primeiro o que menos agrada, para depois fazer algo prazeroso. Isso ensina que, embora nem sempre possamos escolher o que fazer, podemos decidir a ordem das coisas — como, por exemplo, fazer a tarefa de educação física antes da divertida tarefa de recorte e cole. Quando o 'o quê' não é negociável, o 'quando' ou 'como' pode ser uma escolha.

Além disso, é fundamental usar perguntas curtas e diretas para comunicar como se dará a escolha: "Qual?" "Quantos?" "Como você quer?" "Qual cor?" São questões que facilitam o processo de escolha e ajudam Nyara a se tornar cada vez mais independente. Acho que é importante refletirmos se estamos fazendo todas as escolhas por nossas crianças. Sempre que possível, devemos incentivá-las a decidir, para que se tornem cada vez mais independentes.

Ah, a vida… cheia de doces e josefinas, brigadeiros e dilemas. No fim das contas, tudo se resume às escolhas. Aquelas que, como adultos, aprendemos a fazer — ou não. Será que convivemos bem com nossas próprias escolhas? Será que, na correria do dia a dia, estamos permitindo que nossas crianças aprendam o sabor de escolher por si mesmas? Ou estamos tão habituados a escolher por elas, que não percebemos o quanto isso priva de crescer com mais independência? E, cá entre nós, será que estamos prontos para ceder esse poder? Talvez o verdadeiro desafio não seja em qual doce escolher, mas em deixar que o outro descubra, aos poucos, qual é o gosto da sua própria escolha. Porque, no fim, permitir que nossas crianças façam suas escolhas é um ato de amor, respeito e de pura coragem. 

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terça-feira, 8 de outubro de 2024

Dia da Mochila Divertida e da Roupa Preferida


07/10/2024 - 23h



Semana passada, recebemos na agenda da escola o cronograma das comemorações da Semana da Criança. Com Nyara, já começamos a antecipar o que estava por vir, porque no autismo (assim como na vida) é essencial preparar-se para qualquer mudança na rotina. Essas antecipações são fundamentais, já que muitas pessoas no espectro autista têm dificuldade em lidar com imprevistos. Quando avisamos com antecedência, elas conseguem se preparar mental e emocionalmente, evitando crises e momentos de ansiedade. Nem sempre dá certo, mas seguimos firmes na missão!

Hoje foi o tão esperado "Dia da Mochila Divertida" e da "Roupa Preferida", o primeiro dia da Semana da Criança na escola. Na semana passada, ao ver o cronograma na agenda da Nyara, aqui em casa começou um verdadeiro festival de ideias. Eu e Paola passamos dias pesquisando modelos de mochilas criativas na internet. Com nossa vasta experiência em criações carnavalescas, chegamos à ideia perfeita: uma mochila imitando a famosa caixinha de Toddynho!

Agora, aqui em casa, o "Dia da Mochila Maluca" virou "Mochila Divertida". Afinal, defendemos a luta antimanicomial e lutamos contra o capacitismo. Essas lutas nos guiam a desconstruir expressões que possam oprimir ou marginalizar. Termos como "mochila divertida" e "cabelo criativo" fazem parte de nossa missão de promover uma linguagem inclusiva, principalmente na escola, para que o ambiente seja acolhedor e respeitoso. Pode parecer uma mudança pequena, mas as palavras têm o poder de transformar e abrir portas para a inclusão.

Sexta-feira passada, compramos o material. No entanto, como trabalhei no sábado e domingo teve eleição (com Nyara bastante agitada), o projeto da mochila só saiu à noite, com a ajuda da Paola. Nyara, que sempre foi cheia de energia, me lembra uma velocista: começou a andar e já estava correndo 100 metros rasos e hoje uma maratona, rs. Embora nunca tenha andado na ponta dos pés, como muitas crianças no espectro autista, ela sempre se recusava a calçar o chinelo no pé direito – ou era no esquerdo? Enfim, sempre tinha um pé descalço. Essa agitação psicomotora faz parte de quem ela é, e o tratamento envolve muita paciência, afeto e aceitação. Às vezes, os brinquedos "voam" pela casa e temos que correr para salvar o que pudermos! Quando pequena até uma televisão ela derrubou na correria pela casa além de uns dois ou três tablets que tiveram uma vida útil bem curta por aqui.

Chegou a segunda-feira, o grande dia! Mochila Toddynho pronta, look escolhido, fotos tiradas, e lá fomos nós para a escola. Tudo certo. À tarde, recebo uma mensagem da Paola: vídeos e fotos da Nyara toda feliz no pula-pula, mas... com a roupa reserva! Pensei logo: "Será que foi xixi ou número 2?"

Para muitas pessoas autistas, dificuldades com o controle dos esfíncteres são comuns, e situações novas ou estimulantes podem aumentar a ansiedade. É por isso que sempre mando uma troca de roupa, lenços umedecidos e, claro, muitas orações! Mas como ninguém me ligou, tentei não me preocupar.

Quando Paola foi buscá-la na escola, me atualizou: Nyara foi ao banheiro, e a professora de apoio precisou buscar os lencinhos na sala de aula. Nessa fração de segundos, Nyara transformou o banheiro em uma bateria de escola de samba – literalmente! Água pra todo lado, adeus look favorito, e olá, roupa reserva. Depois de tudo resolvido, Nyara foi para o pula-pula, mas teve que ser convencida a entrar.

No espectro autista, às vezes, até começar algo divertido pode ser um desafio por conta da chamada rigidez cognitiva . Esse termo se refere à dificuldade que algumas pessoas têm em lidar com mudanças ou em sair de uma atividade para outra, mesmo que gostem de uma nova atividade. É como se a mente precisasse de mais tempo e segurança para se adaptar a algo diferente. Mas, uma vez que Nyara entrou no pula-pula, não queria mais sair! A professora até foi pular com ela para animar, mas saiu com as pernas bambas, enquanto Nyara estava plena e pronta pra próxima!

Amanhã tem oficina de massinha... Oremos!

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domingo, 6 de outubro de 2024

O Amanhecer de Nyara



06/10/2024 5:30

Hoje é domingo, 06 de outubro de 2024, e minha filha mais nova, Nyara, de 11 anos, como de costume, decidiu que 5h30 da manhã é a hora perfeita para começar o dia. Não há despertador mais eficiente. Com uma força descomunal, me puxa da cama sem chance de negociação para mais alguns minutinhos de sono. E lá vou eu, meio sonâmbula, sendo arrastada até o banheiro. Sim, porque aqui o ritual matinal é implacável: inverno, verão, sol ou chuva, domingo a domingo, janeiro a janeiro, ela já acorda pronta para o seu primeiro banho do dia. Direto. Já tentei substituir esse hábito por outros como ir para o sofá da sala com travesseiro e manta como eu fazia na minha infância para assistir desenhos animados, mas o máximo que consegui é que ela vá ao banheiro para o primeiro xixi do dia, em seguida vai para o sofá e depois de uns 5 minutos já corre para o banho.

Touca de banho na cabeça, roupinha no chão, e lá está ela, com autonomia total. Eu? Eu fico ali de plantão, como boa guardiã, garantindo que nada vá parar na boca dela, porque a última coisa que quero é um sabonete "degustado". Mas eis que percebo: esqueci a toalha. Num pulo, corro para o quarto e, em poucos segundos de ausência, ela já transformou o banheiro num parque aquático: água por todos os lados, sabonete dentro do vaso sanitário e... ah, o papel higiênico! Perdemos mais um rolo. Mais encharcado que uma esponja.

"Fim do banho!" – anuncio com toda a convicção de quem sabe que só está começando o dia. Ela, eficiente como sempre, fecha o chuveiro sozinha, mas não sem antes chutar um pouco mais de água em mim, só pra garantir o meu banho também. Tiro a touca, enrolo na toalha, e vamos para o quarto secar e vestir. Nesse momento, eu aproveito para passar um óleo de lavanda em suas costas, apelando aos deuses da aromaterapia por um pouco de calmaria. Vamos ver se eles me ouvem. Passo óleo em mim também.

Com a Nyara devidamente vestida, ela corre para a sala, onde já se encontra sua manta e travesseiro para se instalar no sofá. Mas não por muito tempo. Corre para a cozinha e corro atrás. Lá vem ela, copo em mãos, me entregando com aquela comunicação silenciosa que só a gente entende. E eu já sei o que significa: é hora do seu desjejum. Estamos na fase da sustagem de manhã, mas mães de crianças com seletividade alimentar entenderão quando digo fase. Já passamos por fases de tapioca sem recheio, iogurte, arroz puro, casca de pão de sal…

São 5h55. Entrego o copo preparado, que há uns três meses voltou a ser o modelo com tampa dosadora para evitar acidentes. Os sofás da sala já estão suplicando aposentadoria de tanto molha e seca. Vou rapidamente ao quarto pendurar a toalha molhada e, quando volto… surpresa! Ela conseguiu abrir a tampa e jogou todo o conteúdo no sofá, molhando a capa que acabei de trocar, a manta, o travesseiro e, claro, a roupa recém-vestida. E lá vai ela, mais uma vez, direto para o banheiro. Isso mesmo, pessoal: às 6h da manhã, já estamos no segundo banho do dia. Ultimamente, são muitos banhos assim, porque o hiperfoco dela tem sido justamente esse. Antigamente erroneamente eu tentei chamar atenção dela pela quantidade de banhos seguidos sem “motivo” e a espertinha aprendeu a me dar os “motivos”. Sempre que surge uma oportunidade, ela entorna algo na roupa para correr para o banho. Se suja as mãos? Pronto, outra desculpa para o chuveiro. E quando não há nada por perto para se molhar, ela mesma cria a situação: faz pipi na roupa, ou até mesmo o número dois, porque aí o banho é garantido. Resultado, agora preciso desensinar que para banho precisa de motivo, ou ainda, caiu minha ficha que, o que aparentemente não era motivo para mim, poderia sim ser algum motivo para ela porém ainda não sabe como comunicar de outra forma.

Há muitos tempo venho pesquisando sobre hiperfocos. No caso de uma criança autista não verbal como a Nyara, o foco repetitivo no banho pode estar relacionado a fatores sensoriais. A água pode fornecer uma sensação agradável de conforto, alívio ou controle sensorial, o que pode ser especialmente atraente para algumas pessoas no espectro. As texturas, sons e sensações de estar no banho podem se tornar um interesse particular, levando a esse comportamento repetitivo.

Mas agora estou aprendendo novas estratégias para lidar com essas situações. Estou anotando tudo, tentando antecipar crises, e me esforço ao máximo para não reagir imediatamente a essas travessuras pois pode ser uma solicitação de atenção negativa que a gente acaba reforçando se reagir no impulso. Quando tudo se acalma, converso com ela, mesmo sem receber contato visual na maioria das vezes, explicando que é errado entornar as coisas no sofá e mostrando que devemos jogar o líquido do copo na pia da cozinha e quando ela quiser banho basta me mostrar a tolha que a levarei sem precisar molhar tudo ou se sujar para isso. Tenho aprendido que em meio às crises de nada adianta tentar orientar ou conter. Ainda não tive sucesso, mas entre o plantar e o colher tem o regar e esperar, não é mesmo?

Pequenos passos hoje, grandes vitórias amanhã, ou, conforme o antigo provérbio africano, “a lua move-se lentamente, mas cruza a cidade”.

Esse foi apenas o relato da nossa primeira hora do dia aqui em casa. Sei que muitas pessoas sentem falta das minhas narrativas, mas como vocês podem imaginar, à medida que nossas crianças crescem, fica cada vez mais difícil encontrar momentos tranquilos para escrever. Mas, se você leu até aqui, curta e deixe um coraçãozinho para mim na mensagem. Assim, saberei que esse tipo de conteúdo interessa a alguém e continuarei compartilhando outros momentos do nosso dia.

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As Aventuras Culinárias da Nyara

                                                     As Aventuras Culinárias da Nyara Hoje, queridas(os) leitoras(es), venho compartilhar um...